O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Doutrina Espírita

José Márcio de Almeida1

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O Estado Democrático de Direito (Art. 1º, CF/88), suplantando o simples Estado de Direito preconizado pelo liberalismo, é aquele que, instituindo uma proteção jurídica, busca garantir a plena dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88), ou seja, o amplo respeito às liberdades civis e aos direitos humanos (Art. 3º, I, II e IV, CF/88) além de sujeitar as autoridades políticas a estas mesmas regras.

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – erradicar a pobreza e a marginalização (…); IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (destaques do autor)

Está, portanto, o Estado Democrático de Direito, condicionado ao respeito à hierarquia das normas, da separação dos poderes e plena observância e garantia dos direitos fundamentais.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um valor moral e espiritual, representa um rol de garantias fundamentais (Art. 5º, CF/88) protegido juridicamente. Trazendo um valor absoluto em si, é fundamental para a instituição da ordem jurídica, pois, como fundamento dos direitos da pessoa humana, é, inarredavelmente, condição prévia para o reconhecimento de todos os demais direitos.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (…) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…). (destaque do autor)

O conceito de dignidade da pessoa humana foi construído ao longo do tempo, ou seja, da caminhada evolutiva da humanidade, fato esse confirmado pelos Espíritos que conduziram a Codificação da Doutrina Espírita2.

No plano objetivo, atribui-se ao filósofo Immanuel Kant3, nos idos de 1785, a sua formulação clássica.

Kant propunha que a pessoa humana deveria ser tratada como um fim em si mesma, e não como um meio ou uma coisa:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo o preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade4. (…) O homem não é uma coisa5.

Para Kant, todo ser humano tem o direito de ser tratado de forma igual e de forma fraterna:

Age de tal forma que possas usar a humanidade, tanto em sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio6.

O reconhecimento da dignidade de toda pessoa humana e de seus direitos inalienáveis é todo o fundamento do Estado Democrático de Direito, ou seja, da liberdade, da paz e do desenvolvimento social.

A Doutrina Espírita, enquanto arcabouço filosófico, científico e religioso voltado para o desenvolvimento moral do homem, elege, como ponto central de seus ensinos e reflexões, a dignidade da pessoa humana, abarcando, dentre outras, as questões relacionadas à defesa da vida, do progresso moral e social das sociedades, da ressocialização dos condenados, dos valores do trabalho livre, do progresso das ciências, da manifestação livre do pensamento e da vontade e da liberdade de culto.

Ademais e nessa esteira, o Codificador, conceituando o Espiritismo, o definiu como sendo uma doutrina que trata da:

(…) natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal e as consequências morais que dela emanam7. (destaque do autor)

Ora, se nas relações humanas ainda prevalece o egoísmo, a violência, a corrupção, a avareza, a deslealdade e a deturpação do poder, deve ser, a sociedade, modificada.

Avançando sobre a matéria (plano material), cabe ao homem criar uma sociedade onde o interesse coletivo prepondere sobre o individual.

Se, conforme asseveraram os Espíritos Superiores, a vida em sociedade é uma necessidade para que o progresso seja alcançado, necessário que o seja sob a égide de uma justiça imparcial, que alcance a todos indistintamente, fazendo prevalecer os sentimentos de igualdade e colaboração.

Assim se pronunciaram os Espíritos:

A vida social é uma obrigação natural? Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus deu-lhe a palavra e todas as demais faculdades necessárias ao relacionamento.

O isolamento absoluto é contrário à lei natural? Sim, uma vez que os homens procuram por instinto a sociedade, para que todos possam concorrer para o progresso ao se ajudarem mutuamente.

O homem, ao procurar viver em sociedade, apenas obedece a um sentimento pessoal, ou há um objetivo providencial mais geral? O homem deve progredir, mas não pode fazer isso sozinho porque não dispõe de todas as faculdades; eis por que precisa se relacionar com outros homens. No isolamento, se embrutece e se enfraquece8.

Kardec, por sua vez, em comentário à questão 768, de O Livro dos Espíritos, asseverou que:

Nenhum homem possui todos os conhecimentos. Pelas relações sociais é que se completam uns aos outros para assegurar seu bem estar e progredir: é por isso que, tendo necessidade uns dos outros, são feitos para viver em sociedade e não isolados9.

A observância plena ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o que está mais conforme com a ótica da Doutrina do Cristo e dos Espíritos, visto que permitirá a criação de uma sociedade em que a cooperação sobrepondo a competição, entregará a cada um o necessário à sua sobrevivência e proporcionará a cada um as condições necessárias ao desenvolvimento moral do Espírito imortal.


1 Advogado, escritor e orador espírita.
2 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB. 1944, p. 372.
3 Immanuel Kant (Königsberg, 22 de abril de 1724 – Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) foi um filósofo prussiano, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna.
4 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2008, p. 65.
5 Idem, Ibidem, p. 60.
6 Ibidem, p. 59.
7 KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo, tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 74ª ed. Araras: IDE, 2009, p. 10.
8 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB. 1944, p. 359.
9 Idem, Ibidem, p. 359.